quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O doze - Luíz Fernando Veríssimo

O sábio vivia em perfeita integração com o cosmos. E gostava
de contar que a sua vida era um exemplo de como a contemplação,
aliada à onteligência prática, trazia a felicidade. Ele combinara metafísica
com física, o místico com o real, a erudição com o discernimento, e por
isso era feliz, integrado ao cosmos - e rico. Recebia grupos de pessoas
que iam beber da sua sabedoria, e a todos contava que fora através da
contemplação e do uso certo do contemplado, e de um pouco de sorte,
que encontrara a resposta.

- E qual é a resposta, mestre?
-Doze.
-Doze, mestre?
-O número 12. Ele mudou a minha vida, e pode mudar a sua.

E o sábio contava que, nos seus estudos, quando ainda era um
pobre observador do Universo, descobrira que o número 12 coman-
dava os detinos, dele e de toda a humanidade. Doze era o número da
harmonia. Do equilíbrio da condição humana com a geografia terrestre
e os níveis cósmicos. Era os quatro pontos cardeais multiplicados pelas três dimensões de Deus. Os quatro elementos - Terra, Água, Fogo e Ar - multiplicados pelos três princípios básicos da alquimia: enxofre, sal e mercúrio. Os 12 sinais do Zodíaco. Os 12 meses lunares que completam o ciclo da Terra em torno do Sol. Doze vezes cinco dá 60, o número de anos que leva para os ciclos lunares e solares coincidirem.

E o sábio contava que, nos seus estudos de intelctual miserável, descobrira que eram 12 as portas do Templo do Céu pelas quais o imperador da China tinha que passar para assegurar um ano bom para os seus súditos. Doze eram as portas de Jerusalém, 12 as tribos do Rei Arthur. No Gênesis, a Árvore da Vida dá 12 frutos. No Livros das Revelações, a mulher que aparece vestida de Sol traz na cabeça uma coroa com 12 estrelas.

E o sábio contava que um dia, o pior dos seus dias de penúria e dívidas, consultara o tarô e tirara o décimo segundo arcano maior, a carta do Homem Enforcado, que marca o apogeu de um ciclo evolutivo. O Homem enforcado era ele! A carta seguinte era a da Morte, significando o renascimento espiritual. Um sinal de que ele estava à beira da redenção e de que o número 12 o
salvaria. Naquela noite sonhou que estava num determinado cassino da Europa, e que uma força
poderosa o impelia para uma mesa de roleta. Uma entre muitas mesas de roleta. No dia seguinte, entrava no tal cassino. O salão das roletas era enorme. Em que mesa jogar? Deciciu-se pela décima segunda mesa à direita de quem entrava, já que 12 é número e o lado direito é o lado par. Passou 12 horas de 12 dias acompanhando o jogo na décima segunda mesa, usando seu poder de contemplação filosófica. Descobriu que a mesa tinha um defeito e que era possível prever que certo número daria, a intervalos calculáveis. Jogara de acordo com seus cálculos e ganhara uma fortuna.
A resposta para todos os seus problemas. A felicidade.

Um dia alguém do grupo que se sentara aos pés do sábio ficou para trás e perguntou:
- Mestre, onde fica esse cassino que tem a roleta com defeito, que dá o 12 a intervalos calculáveis?
O sábio sorriu.
- Procure o seu próprio caminho para a felicidade, meu filho.
- Sim, mestre.
- Até porque, não adiantaria você saber. O defeito foi corrigido depois que eu quebrei a banca.
- Sim mestre.
- E outra coisa.
- O quê, mestre?
- Não era o 12. Era o 21.
- O 21?!
- O 21.
- Então por que o senhor falou todas aquelas coisas sobre o 12 e a sua importância em nossas vidas?
-Porque o 21 não tem a menor graça, ao contrário do 12.
Porque o 21 não tem nenhuma história, ao contrário do 12. Porque o 21 não significa nada, ao contrário do 12. Porque a única coisa interessante sobre o 21 é que ele é o contrário de 12.
E o sábio fechou os olhos e indicou com um sinal que a consulta estava terminada e ele estava reintegrando-se ao cosmos.

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